domingo, agosto 13

Apego

E no exato momento em que a caneta parou no papel, em que as palavras precisaram ser inventadas – e não mais expurgadas, como de costume -, percebeu que havia algo de podre no reino encantado.

“Moça dos olhos lindos (trocou menina por moça),

Preferi as páginas em branco pra poder criar em cima do nada, em cima do novo (de fato, precisavam de algo novo)”.


...
A caneta parou...

Tentou a partir de então se explicar: porque escolheu a página em branco e não um cartão apapagaiado que os namorados costumam dar, porque a escolheu sabendo de todas as complicações que isso causaria (sim, já sabia), porque escrevia essa carta de maneira tão idiota e, finalmente, porque ela não fluía e porque havia vários pontos no papel de caneta parada.

A carta, que nunca fora carta, tinha muitos pontos manchando o papel e não fosse o choro seco que o atormentava neste dia, os pontos de caneta seriam manchados pelas lágrimas, que rolavam internamente e se acumulavam em algum depósito lacrimal. Seria essa a razão das mudanças no seu corpo?

O choro seco é corrosivo

Carta pra ser carta precisa ser entregue, mas choro pra ser choro não precisa ter lágrimas. Chorava pela carta que não era carta. Precisava torná-la carta ou parar de precisar disso. Precisava desaguar, talvez precisasse corroer.

O apego é corrosivo.

Precisava corroê-lo porque não é possível eliminá-lo de uma só vez.

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