domingo, novembro 30

Inadequação

Como não ser
inadequada
em  meio a pontes destruídas,
nexos desconexos,
valores invertidos?

Seu cuidado
é de quem conecta
com o outro
com a vida
e deposita nos encontros
o que de melhor possui.

Seria adequado
esconder
tudo que se aprende
só pra se preservar?

Inadeque-se
e nos salve
da mediocridade
e da camisa de força
que os caminhos já traçados
nos impõem.

Minha amiga,
venha pra festa
e nos ajude a amar.

segunda-feira, outubro 27

Em Santa

Era eu e mais uma senhora no ônibus. Logo ela desceu. A motorista, preocupada, me disse, alguns minutos depois: "não vai dormir não!" e perguntou: "onde você desce?" Logo levantei e começamos a conversar. Quando disse meu ponto, ela perguntou: "já é aqui?" O assunto ainda não tinha encerrado e ela simplesmente parou o ônibus no meu ponto e terminou de contar a história de seu irmão. Não durou mais de dois minutos, mas foi suficiente pra eu notar que o trabalho pode ser muito mais do que é. Voltei com um sorriso imenso. Pela espontaneidade da moça, naturalmente, mas também por uma identificação com a liberdade que tinha aquela mulher com seu trabalho. O trabalho ainda é espaço de opressão. Não é possível que esse absurdo não seja identificado, tratado e superado por seres pensantes.

Reunião de condomínio

Não existe amor nos regulamentos
Assim caminha a humanidade
Com uma extrema incapacidade
De redigir seus sentimentos

Terapia

Sei quem fui
Por vezes esqueço quem sou
Me encontro só de vez em quando
Quase sempre por descuido
Ou por desatenção.

É tão difícil marcar
Esse encontro
Entre mim e eu mesmo
Que decidi me contratar por uma hora
A cada quinze dias.

Descobri que preciso mais de mim.

A arte do desencontro

Quase que me encontrei,
por descuido,
mas não!

Por sorte,
tive ânsia de voltar
e pude ver
que o desencontro
é também uma das artes da vida.

Eurásia

Entre marroquinos e romenos,
sou descendente de sírios.
Falo português,
espanhol,
um pouco de inglês,
mas nenhum dialeto árabe.

Entre o subúrbio e a Tijuca,
nasci em São Cristovão.
Meu carioquês é da clara,
não me sinto típico,
mas mesmo assim,
encaro a dor e a delícia de aí ter nascido.

Entre moços amarrados,
rojões disparados,
e preconceitos sentidos,
me encontro com a raiva
e a sublime certeza da inevitabilidade
de termos que fazer algo distinto.

Entre a América e a Europa,
há mais similitude do que gostariam alguns
e menos semelhanças do que nos tentam fazem crer as análises simplistas,
que tratam as crises sem considerar o que as precedem.

Sorte a minha, por ter parado em vilarejos,
onde o vinho é recarregável,
as gentilezas são trocadas
e a amabilidade das pessoas transbordam os limites das diferenças raciais e continentais.

 Algo assim ainda será hegemônico!

A cura

A cada vez que choro,
sinto que melhoro um pouquinho.

Motivos

Pela delicadeza que ainda nos resta,
pelas possibilidades que ela nos reserva,
 pela estranheza de senti-la asperamente,
pelos sorrisos que não se encerram,
pelos cantos que daí se desdobram,
pela força do que podemos ser,
por todas as generosidades que podemos alcançar,
e por todas as culpas que deixamos de sentir,
sigamos em frente.

Vida ávida

A vida ávida
avisa
que é tudo
à vista

imediato
mediado
pela média dos dias
sob medida
para fugas

da urgência
entretanto
não se foge
como de você mesmo

somos nossas urgências
ou deveríamos sê-las

Leve intensidade

Suspenso, sem suspensão.
Pretenso, sem pretensão.
Intenso, sem intenção.

Propenso, dizendo que não.

Menino

Quem sabe se aquele menino voltasse e fosse menino
 não seria hoje menos menino?

Quem sabe se aquele menino tivesse se desencontrado,
ao invés de tê-lo buscado,
não flanaria mais pelas delícias da incerteza?

Quem sabe se aquele menino, ainda menino,
decidisse meninar,
flanar,
no suposto momento certo para isso,
não suavizaria as meninices que vivencia,
quando suposto homem?

É possível, que se tudo fosse diferente,
o homem não tivesse hoje olhar de menino.
É que sempre há tempo pra ser menino.

Rádio Patrulha

Por trás de toda patrulha
 há um profunda dúvida
 revestida de certeza

Oscilações

A covardia e a ousadia
na noite ardia
esfriava de dia
e assim se espremia
entre a prosa e a poesia
entre a música e a orgia
por quem muito confundia
dor com ironia

sábado, outubro 16

A pauta política que merecemos

Ando nos últimos dias um tanto frustrado com os rumos que estão tomando o debate político do segundo turno.

Ando pensando bastante sobre essa frustração porque é muito comum dizermos que os políticos não prestam, que são corruptos etc etc etc

em primeiro lugar, quem se candidata? Até podemos chegar à conclusão de que os nossos principais pensadores e pessoas mais capacitadas não entram na política. Não sei se é bem assim. Eu acho, sim, que as pessoas que têm posições mais coerentes com uma linha de pensamento autônoma não entram na política ou não se elegem pelo simples fato de ser necessário adaptar o seu discurso aos rumos de uma eleição. E essa, sinceramente, acho que é uma caracteristica forte da nossa sociedade. Autonomia de pensamento é algo muito difícil de vermos hoje em dia. Não estou falando em não ser influenciado por alguém, mas, sim, poder escolher as suas influências e em determinados momentos discordar delas também. Concluo nesse momento que os candidatos refletem fielmente a sociedade brasileira.

em segundo lugar, quem define a pauta política nesse país? Passamos anos sem discutir política. Futebol, religião, BBBs etc em determinados espaços são temas únicos. Eu, pessoalmente, adoro falar de futebol, ter espaços de entretenimento e fé também não é o problema, mas quando discutimos a educação do país, política de ciencia e tecnologia, política habitacional, reforma agrária etc? Claro que há pessoas que discutem isso, mas estou falando do grosso da população, que sejam questões que tomem conta do nosso dia-a-dia como o futebol. Isso está muito longe de acontecer porque é muito mais fácil dizer que os políticos são corruptos e que não gostamos de discutir política. Por isso é muito fácil fazer com que a pauta política de uma eleição sejam questões de fóro íntimo, como a opção sexual da candidata x; o fato dela ser casada ou não; do candidato x ter fumado maconha na escola ou ter traído a sua mulher; questões que não dizem absolutamente nada sobre a posição política de determinada pessoa. Essa ideia de que o povo é enganado é pra mim uma grande baboseira. As pessoas querem se enganar, escolhem só falar de religião durante todo o seu tempo ao invés de exercerem o papel de cobrança da política pública. E, claro, que não adianta que meia dúzia faça isso. Se não for atitude de uma boa parcela da população, a meia dúzia será ridicularizada, taxada de xiita, radical etc.

Minha frustração baseia-se, sobretudo, em perceber que a pauta política em que acredito não é debatida. Sobre educação, saúde, os candidatos falam a mesma coisa, sem debate. Embora a prática dos dois partidos tenham sido muito distintas. Enquanto FHC tentou sucatear a universidade pública, não criou nenhuma universidade nova, desrespeitou a autonomia universitária (como fez serra na USP em São Paulo), Lula criou 14 universidades federais novas, mais de 100 campi no interior do país e mais de 100 escolas técnicas, além do PROUNI etc etc.

Serra usa o mesmo discurso das escolas técnicas, fala em manutenção do PROUNI, mas quem estudou na USP nos últimos anos sabe a lástima que é a política psdbista para as universidades.

Voltando à pauta política: onde se fala de reforma agrária?; onde se fala dos monopólios e oligopólios?; a questão ambiental é despolitizada (como a feita pela Marina Silva); onde se coloca as questões das populações tradicionais?; quando foi discutido o abuso das mídias, taxaram o governo de ditatorial e isso cola pra população; onde se fala na integração latinoamericana?

Essa pauta não existe no segundo turno. Acho, sim, que o Lula fez nesses campos muito mais coisas que do que fez o FHC, como: o reconhecimento dos quilombolas, inclusão dos pescadores e indígenas em programas da política, freio na privatização das empresas públicas, política externa exemplar, com reconhecimento de direitos históricos de países pobres como Bolívia e Paraguai, além do exemplar apoio ao Zelaya em Honduras, vítima de um golpe de estado; inclusão da economia solidária na política de governo, embora os recursos ainda sejam irrisórios.

Apesar disso, eu também tenho divergências centrais no modelo de desenvolvimento adotado pelo governo (Belo Monte, CSN, Thyssen Krup etc).

Mas a questão é que não se fala disso no deate político. Falar de reforma agrária é quase um tabu. embora muitos países capitalistas tenham feito sua reforma agrária; declarar apoio aos governantes de esquerda da América Latina soa como um tiro no pé; defender um discurso de esquerda hoje é impossível prum candidato que quer se eleger.

Será mesmo que cada país tem o presidente que merece? Me assusta muito a possibilidade de merecermos o José Serra? Hoje em dia, ao mesmo tempo em que poucas pessoas se assumem de esquerda, são muito poucos também os que se assumem de direita.

A prática do PSDB é uma prática de direita em todos os governos que teve até hoje, embora tenha nascido com a bandeira da social democracia. Respeito as pessoas que se assumem de direita e coerentemente votam no candidato que representa suas posições ideológicas, mas me assusto quando essa bandeira não é assumida e arugumentos como o da "experiência política" passam a ser definitivos para a escolha de um candidato.

A minha formação ao longo da vida faz com que defenda pautas como a radicalização da reforma agrária, com uma limitação muito maior do que a sugerida pelo plebiscito à propriedade de terra; ao apoio intenso na formação de empreendimentos que não tenham patrão pra que possamos rumar para uma sociedade onde não haja a propriedade privada dos meios de produção.

Esses pontos certamente não serão frutos de políticas de nenhum dos candidatos. Essa ilusão eu não tenho. Mas também não sou partidário da tese de que quanto pior está, melhor ficará. Gosto muito de ver a quantidade de pessoas que sairam da miséria nesse governo, gosto de ver o ensino público superior ser fortalecido, gosto muito de ver políticas que tenham a participação como método e os povos tradicionais sendo atendidos por elas, gosto de ver a extensão universitária crescendo no meu país.

Apenas pra ilustrar o que falo. Num dos momentos de maior desilusão com o governo Lula, em janeiro de 2008, fiz uma viagem ao sertão do Brasil e notei que as pequenas oficinas mecânicas, sapateiros, bares simples, junto com fotos do flamengo e de mulheres do calendário, colocavam a foto do Lula. Pela primeira vez me atentei para a importância do Bolsa Família para o povo que nunca foi atendido por qualquer política pública. Nesses lugares 200 reais é, sim, suficiente para comer e não morrer de fome.

Pelos avanços que tivemos, declaro que meu voto no primeiro turno e meu apoio no segundo turno é para Dilma Roussef. Na expectativa de que não retrocedamos, que não percamos conquistas importantes e que possamos cobrar dela para que tenhamos uma pauta e ações de esquerda nesse país.

Largo do Machado, amanhã às 10 horas da manhã. Nem sei o que farei lá, mas lá estarei com amigos fazendo barulho.

quinta-feira, outubro 7

A fuga do debate político pra tudo ficar como está

Segundo turno das eleições 2010. Sim, estou desesperado com a possibilidade, mesmo que ínfima, de eleição de José Serra à presidência da República. Retorno das privatizações, seja das estatais, seja das universidades. Retorno de uma política que caga na cabeça de quem mais precisa de políticas públicas. Retorno de Paulo Renato, FHC e nomes nefastos, como de Artur Virgílio, com possibilidade de assumirem o cargo de ministro do Brasil.

Não sou partidário da tese de que quanto pior, melhor são as chances de mudanças estruturais. Acho mesmo que quanto pior tá, maior o reacionarismo e menor a chance de qualquer mudança para um país mais justo. Refuto a teoria de que o avanço do capitalismo cria a base capaz de mudar as coisas. O avanço do capitalismo aumenta a alienação e a bestialização das pessoas.

Por isso me sinto na responsabilidade de fazer algo diante dessa campanha, mesmo que Dilma Roussef esteja longe de representar o meu projeto político. E dentro desse algo que quero fazer, sinto, em um primeiro momento, necessidade de responder às questões que fizeram com que Dilma Roussef caísse nas pesquisas: suposto homossexualismo e defesa da união de homossexuais, suposto apoio à descriminalização do aborto, envolvimento da candidata com a guerrilha urbana no período da ditadura, entre outras questões que as pessoas cismam em chamar de denúncias.

Acho que a defesa cabe a ela, pois está em campanha e, infelizmente, no Brasil, quem quer se eleger presidente precisa entrar num discurso medieval pra não confrontar a igreja e a hipocrisia do povo. E vamos sempre continuar nessa? No desespero, a solução é ter que se adequar à mediocridade e se opor às discussões que devem ser feitas?

Ela irá cumprir esse papel, não tenho dúvida, mas acho que cabe nesse momento que tentemos começar uma mudança dessa lógica sinistra. Precisamos começar um processo de desalienação ou “deshipocritização” e argumentar porque defendemos a legalização do aborto, o casamento entre homossexuais, o julgamento dos militares envolvidos com tortura na ditadura e todas as questões que tentam retirar do debate político.

Peço calma aos conservadores de plantão, não sei se são essas as posições de Dilma Roussef e mesmo que seja, ela não tem poder de implementar leis da noite pro dia , como algumas igrejas tentam fazer crer, em um claro movimento de alienação e bestialização das pessoas. São minhas colocações para que haja debate político, ao invés de jogo medíocre que vimos até hoje.

Lula, presidente com quase 80% de aprovação, disse diversas vezes que aborto é caso de saúde pública. Não se trata de defender o aborto; não acho aborto uma prática saudável, não gostaria que minha filha abortasse, mas devemos pensar no caos que é a questão do aborto no Brasil. Ninguém deixa de abortar por ser ilegal. A diferença é que as meninas de classe média e alta usam as clínicas privadas para isso e a classe mais pobre aborta em casa, botando em risco a vida de crianças que engravidam a partir dos 12 anos. Não querem discutir isso? Vamos deixar como está? Fingir que o aborto é ilegal? Quase todas as religiões impedem que essa discussão comece.

Sobre a união entre homossexuais, chega a ser bizarra a oposição de uma parte da população. Por que isso afeta tanto as pessoas? Qual o medo que elas têm? Precisamos colocar o dedo na ferida ao invés de acatarmos a mediocridade desse discurso. Acho que até mesmo as reacionárias redes de televisão já se conscientizaram da necessidade de avançarmos nesse debate. Nossa vizinha Argentina já permite a união entre homossexuais e a moral das famílias não está afetada por conta disso.

Sobre o último ponto que levantei, peço encarecidamente que as pessoas leiam sobre o que foi a ditadura militar e o que significou a luta dos militantes, como Dilma e, pasmem, Serra, para democratizarmos o país. Sim, sim, José Serra também foi preso e fichado, da mesma forma que Dilma (resposta ao e-mail tentando criminalizar Dilma com uma ficha criminal). Sem essa luta ninguém teria a oportunidade de votar hoje.

Não acreditem em qualquer baboseira que lêem na internet, nem nas minhas. Há várias maneiras de averiguar os fatos, inclusive sobre o que fala o pastor, padre, rabino etc.

Repetindo, não sei se são essas as posições da candidata. São as minhas e eu até gostaria que fossem as dela, mas acho lamentável que fujamos do debate para que não confrontemos setores reacionários de nossa sociedade. Se ela não pode fazer isso (e não pode mesmo), cabe a nós, que acreditamos na importância desse debate, discutirmos em todos os espaços que pudermos.

quinta-feira, agosto 12

Ângulos

Quando todas minhas neuroses,
hoje engraçadas,
se tornarem insuportáveis.

Quando minha ânsia de vida
se tornar uma obsessão indesejada.

Quando não mais perceber o limite do ridículo,
meu nariz dobrar de tamanho,
minha barriga triplicar,
o cheiro do meu corpo estiver carregado de mim,
e as minhas palavras estiverem repletas
de minha sinceridade desnecessária.

eu sei que te terei por perto,
rosa, cheirosa e meiga,
ainda enxergando adjetivos doces e suaves em mim.

quarta-feira, junho 9

Vício Novo

Poema

A poesia está guardada nas palavras - é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Pra mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado e chorei.
Sou fraco para elogios.

(Manoel de Barros - Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo)

terça-feira, março 9

Desajeito

E me disseram:

Toma jeito, menino!

Eu respondi:

Tô de jeito tomado já,
é um jeito sincero,
por vezes desajeitado,
jeito que me confunde a cabeça,
porque o desajuste não é fácil pra ninguém,
difícil ainda mais pro sujeito da ação:
esse cabra torto de cabeça mutante,
que se ajeita e desajeita na velocidade da luz.

Sabe o que me disseram uma vez?
O desajeito é o começo do encaixe.

Desde que não seja encaixe forçado,
encaixe paralizante,
que impede que a peça encaixada se desate,
eu tô dentro.

Eu adoro encaixes
e adoro ter um jeito,
mesmo que torto.

quarta-feira, fevereiro 24

Confusões interessadas

Liberdade de imprensa é confundida com a liberdade de dizer mentira,
A luta pela igualdade de direitos é confundida com a luta pela manutenção dos privilégios,
A democracia é confundida com algo que nada tem a ver com qualquer anseio do povo,
As mortes dos que lutaram pela nossa liberdade são intencionalmente confundidas com a morte dos que nos oprimiram,
O direito à propriedade privada - esse não é confundido não. É muito bem compreendido por todos que dele se beneficiam.

Aos imbecis que, mesmo que não seja por mal, apenas por imbecilidade mesmo, confundem tudo, mas ao mesmo tempo querem distribuir e-mails com suas verdades idiotas, despejo um pouco do meu veneno e um tanto do meu desprezo.

Se hoje podem livremente dizer e divulgar suas trapalhadas mensagens teleguiadas, é porque muitos dos que hoje vocês ridicularizam com seus infelizes "forwards" lutaram para que qualquer imbecil pudesse expressar sua opinião neste país.

segunda-feira, fevereiro 15

(des)gosto

Se é que entendi o que o verborrágico do Bourdieu tentou dizer em "A Distinção", concordo, mas fico com a genial simplicidade do completo desconhecido Juraildes da Cruz, que ficou famoso na voz de Xangai:

"Se farinha fosse americana,
mandioca importada
banquete de bacana
era farinhada".

(Nóis é jeca mais é jóia - Juraildes da Cruz)

sexta-feira, fevereiro 12

Destino

De volta,
Divina,
De longe,
Distraída,
De sari,
Distante,
De perto,
Descolada,
De tanto
Distar,
Dê-canto,
Diz, tá?
Dê beijo,
Destoa,
Depreenda,
Disfarce,
Dê prenda,
Me enlace
Devagar,
Divague,
Declame,

Desejo-te
Despida,
Depravada,
Desvendada,
Destemperada,
Demorada.

quarta-feira, fevereiro 10

Dica de Cinema

Não deixem de ver "O Homem que Engarrafava Nuvens": baião, Humberto, Gonzagão, Gil, Caetano, Chico, Elba, Bathânia, Belchior, Fagner, Alceu, Dominguinhos, Lirinha com o Cordel. Há também o machismo, a seca, olhos verdes e um ritmo que faz ver o filme cantando e balançando por duas horas.

Ainda dá pra chorar com a ternura do Sivuca, o feio mais belo que conheço.

Um excelente documentário com um lindo nome, apropriado pra falar de quem conseguiu tratar de profundas tristezas e sofrimentos com um ritmo que faz até esquecer.

Janela sobre a palavra (V)

Javier Villafañe busca em vão a palavra que deixou escapar bem quando ia pronunciá-la. Onde terá ido essa palavra que ele tinha na ponta da língua?

Haverá algum lugar onde se juntem as palavras que não quiseram ficar? Um reino das palavras perdidas? As palavras que você deixou escapar, onde estarão à sua espera?

(Eduardo Galeano - Palavras Andantes)

quinta-feira, fevereiro 4

Criminosos potenciais

Aos idealistas de plantão, um pouco de Radiohead:
"Just cause you fell it, doesn´t mean it´s there"

E aos demasiadamente precavidos, mais um pouco:
"We are accidents, waiting to happen"

(There there - Radiohead)

sexta-feira, janeiro 29

caminho de casa

Não mais que um metro e meio,
coberto com um saco negro de lixo,
desnudo a todos com coragem de observá-la.

me sinto um covarde todos os dias.

contra la vida cara

hoje, o Jornal Nacional, mais uma vez, falou da Venezuela. Entrevistou pessoas no antigo supermercado francês Cassino. Chamou de governistas os que apóiam o governo, mesmo que esses nenhuma ligação, além da empatia, tenham com o governo. Falou, como sempre a direita diz, da escassa variedade de produtos que possivelmente acontecerá no supermercado estatal. Falou, pejorativamente, que o supermercado se limitará ou prievilegiará os produtos de necessidades básicas.

Esqueceu de mencionar, emboras suas câmeras não tenham ofuscado o dizer presente em todo supermercado:

Contra la vida cara.

Palavras Andantes

Temos um esplêndido passado pela frente?

Para os navegantes com desejo de vento, a memória é um ponto de partida.

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Janela sobre as Proibições

Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: proibido cantar.
Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: É proibido brincar com os carrinhos porta-bagagem .
Ou seja: ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca.

(Eduardo Galeano - Palavras Andantes)

quinta-feira, janeiro 28

mídia venezuelana

o que seria da cbn caso se recusasse a passar a voz do brasil?

e da RedeTV caso se recusasse a transmitir um discurso ministerial, pra não precisar chegar ao presidente?

e da Record se infligisse leis votadas no congresso nacional, como é o caso das tvs venezuelanas?

o direito a ter um espaço televisivo ou radiofônico, não esqueçam, é um direito concedido pelo Estado. Uma conceção estatal deve atender a interesses públicos. Será esse o interesse de uma TV golpista que mente sobre fatos no intuito de destituir um presidente eleito, reeleito, reeeleito democraticamente?

não esqueçamos que nem todas as tvs golpistas foram destituídas na Venezuela e é aí que deve residir nossa crítica. Pergunto porque a Venevision de Senderos continua intacta.

as demais que bravejam aos sete ventos clamando por democracia se aproveitam do discurso do poder do povo para atender seus interesses que nada interessam ao povo.

que sejam extintas junto com hotéis, empresas privadas e todos interesses obscuros que quando interessam clamam por democracia.

mas, camarada Chavez, não se esqueça que Venevision e Mitsubishi (MMC) também fazem parte da mesma burguesia. Por que não encarar?

Celebremos a morte da RCTV, ao menos.

e a direita mostra suas garras mais afiadas

Seria estarrecedora, se não fosse totalmente previsível, a reação da mídia brasileira ao Plano Nacional de Direitos Humanos. Enfrentar de uma só vez os militares, a igreja, o agronegócio, a grande mídia e as grandes fortunas não é uma tarefa das mais simples.

Cabe um breve apanhado do que dizem os âncoras da nossa mídia:

Hoje, Boris Casoy, do alto de seu microfone, o mais baixo da escala da mídia, fez questão de chamar de bobagens os assuntos tratados no PNDH. Entrevistou lá um jurista que estava indignado com o reconhecimento do trabalho das prostitutas. Será que o nomeado jurista, cujo nome sequer gravei, critica o que já praticou, como denunciava a poetisa Juana Inés de la Cruz no século XVII?

Alexandre Garcia estava estarrecido como um programa de governo poderia atacar os militares, os produtores rurais e os meios de informações. Como podem ser esses considerados vilões em uma só penada? pergunta o repórter. Vale lembrar que liberdade de expressão não pode ser confundida com falta de controle social dos meios de comunicação, e é exatamente disso que fala o plano.

http://www.youtube.com/watch?v=7r4bs6CrcyU&feature=related

E, por fim, o segundo maior boçal de nossa mídia (sorte dele existir o Boris Casoy), Arnaldo Jabor diz que trata-se de um programa bonito por fora e soviético por dentro. Indignado com o fato de pensarmos em julgar crimes de 40 anos atrás, indignado com os laranjais da cultrale e com a destruição da Vale e da Aracruz Celulose. Me corrijam se estiver errado, mas me parece que apenas Brasil e Uruguai não julgaram os torturadores da ditadura (não foi a toa o editorial da Folha chamando-a de Ditabranda).

http://www.youtube.com/watch?v=gO_Fdc5OP08&feature=related

É preciso agir junto com o que me parece ser a ação mais interessante até então feita nesse governo.

Voltei

Em 25 de setembro de 2003, tirando da poeira os pensamentos que atormentavam a cabeça de um jovem de 20 anos, César Guerra Chevrand com sua bela homenagem, estimulou que esse espaço fosse criado. Sete anos depois, com uma defasagem de 7 meses sem escrever, o mesmo rapaz com traços mais marcados, meu irmãozão, me fez crer que os espaços alternativos, mesmo que pouco lidos, precisam ser construídos e divulgados.

A ideologia de direita grita aos setes cantos, tentando ofuscar os interesses que estão por detrás de sua suposta neutralidade. Precisamos falar mais alto. Precisamos berrar quando falar o imbecil do Arnaldo Jabor, precisamos de um grito que ofusque suas idiotices e posturas de classe.

De forma alguma proponho que seja esse o grito-maior. É apenas o meu estímulo para voltar a escrever pra uma porção de gente, mesmo que pra um bocadinho assim, pequenininho, mas volto a escrever acreditando que a rede de gritos, permitida por essa tecnologia, tem condições de alcançar corações e mentes inquietas com a situação em que vivemos.

Quero compartilhar com vocês, meus camaradas, as questões que me tiram o sono e me abrir para as posições contrárias. Permitir rever-me é algo que tento aprender com Paulo Freire, embora reconheça meus limites diante de uma confusão de interesses que não consigo desvendar. Imagino que seja essa minha maior dificuldade para um diálogo sincero, pelo simples fato de não conseguir discernir o sincero dos interesses obscuros.

Quero permear este espaço de questões não ditas, por mais polêmicas que sejam. Quero me abrir pra pessoas queridas, mesmo que discordem, com o desejo de ser ouvido. Tenho estímulo, talvez, nos escafandristas virtuais, que venham a explorar os escritos internáuticos daqui a mil anos e capturem/vivam o amor e inquietude deixados no ar.

Serei doce e amargo, porque há doçuras e amarguras no que sinto. Penso em distintas pessoas que quero que me leiam, com a certeza que não agradarei metade delas. Preciso aprender a desagradar, embora não seja esse meu objetivo.

segunda-feira, julho 13

Partida

Essa parte da ida
parece não estar no script
no momento do encontro
no conhecer
e no aprofundamento da amizade

Nas noites de dia
Nas praias de noite
Nas lágrimas com sorriso

Parece não fazer parte
dada a infinitude do momento presente

Mas, sim,
é parte integrante do encontro -
faz parte -
parte o peito e interrompe bruscamente,
como um parto.

Que também seja a parte de um novo ciclo,
de uma nova vinda,
de uma nova vida.

Pois é nas vidas que construímos
nessa parte ínfima da história que nos cabe
que se constrói o ser pleno -
feito de distintas partes.

Parte sem deixar partes,
deixa obras inteiras,
deixa saudades,
que se encontra na parte mais bela
do complexo coração humano.

Nessa parte eu não havia pensado,
Até se impor a partida -
parte integrante do reencontro.

sexta-feira, novembro 21

Poema da Lata

A história vivida, contada, encantada, virou sonho.

O sonho vivido, sentido, narrado, virou história.

História e sonho se confundem em outros sonhos e histórias.

Sonho e história fazem nova história e despertam novos sonhos.


Os valores que possuía o sobrevivente da guerra urbana,

Remanescente do que dizem ser a primeira favela brasileira,

Impressionavam o jovem de olhos miúdos,

Que atento às suas histórias e causos,

Energizou suas esperanças de transformação.


Ouviu, sentiu, aguardou o seu retorno,

Quando não esperava mais o reencontro,

Surpreendeu-se com o inimaginável,

Com o desprendimento material de quem nada tem.


Percebeu que mesmo na pobreza,

Quiçá miséria,

Há espaço para valores distintos,

Para entender que há questões que valem mais,

E obviamente isso não provém da miséria.


No dia posterior, com o sentimento à flor da pele,

Relatou para os companheiros que quer ver na mudança pretendida,

Todo o sentimento ali vivido,

Buscava eco.


Como não se controla o que daí resulta,

A história vivida, contada, encantada, virou sonho.

O sonho vivido, sentido, narrado, virou história.

História e sonho se confundem em outros sonhos e histórias.

Sonho e história fazem nova história e despertam novos sonhos.


O homem de valores, roupa preta, pai,

Catador de latas,

Virou sonho.


(Marcelo Ribeiro e Flávio Chedid)

segunda-feira, novembro 17

Parceria Dialética

Fotografei um mundo caô,

Vi que ele era muito cão.

Ao fim,

E antes que a noite acabasse,

Me pus a lembrar

Dos momentos que congelados

Ficaram foto-grafados.


No movimento da vida,

Não há foto-grafia

Que congele o sentimento.


O sentimento existe,

Embora seja outro.

É mais um sentimento de resgate

do sentimento que foi,

o que em si é um sentimento novo.


A saudade transforma o sentimento

Em Sentimento.


Os instantes são únicos

Melhor às vezes esquecer as fotografias,

Deixar a pose,

Mergulhar na vida,

Sorrir com a lembrança

Do instante não congelado.


No ir devir da Maré,

Encontrei novas foto-grafias,

Agora em movimento,

Dançam, balançam, enchem,

Engendram um pensamento

Que incita um novo viver.


O movimento é transformação.


(Wendell Ficher e Flávio Chedid)

sexta-feira, fevereiro 22

Recíproca

Uma profunda vontade de dizer o que vem à mente
Uma necessidade ímpar de compartilhar as angústias vividas
Uma oportunidade única de fundir as vidas,
De fazer dos nossos desejos íntimos,
Segredos.

Embora segredos sejam feitos para ser contados,
A idéia de que teu segredo foi revelado
E, sobretudo, aceito,
Ajuda a suavizar as regras que te foram ensinadas
E que de certa forma ajudas a prosseguir.

Nada, nada, nada no mundo substitui a sensação da reciprocidade
Do amor da amizade.

A admiração quando retornada
Facilita as dificuldades da vida
E retira a importância das deusificações desnecessárias.

Ah, se soubésseis o quanto que vos estimo!
(sem deusificação)
Com uma enorme vontade, quiçá necessidade,
De aceitá-los exatamente como são
(talvez por uma vontade estúpida de diminuir as minhas cobranças).

Tenho certeza da maior fluidez de seus pensasentimentos
(embora alguns já tenham uma fluência excelente),
Quando são tudo que podem ser.

A vontade de tê-los por perto toda vez que sinto o melhor de mim,
Denuncia o amor mais sincero,
Embora haja nesse desejo uma autopropaganda,
O que não acredito diminuir a intensidade do companheirismo aí presente.

Deixando de lado as generalizações
E com uma enorme vontade de declarar,
Tenho ao meu lado doçuras tão belas
Que ao mesmo tempo em que compartilham comigo as amarguras da vida,
Exalam perfume, vontade de entender,
E sonham com o que os que os sabidos da vida consideram utópico.

Mal sabem que a utopia é o não-lugar do presente,
Mas que tem uma influência única sobre o futuro,
Ou não é o futuro construído pelos mesmos seres capazes de serem utópicos?!

Dito o que veio a mente,
Declaro a vocês todo amor que me fazem sentir.

quinta-feira, fevereiro 14

Filha do Paul

A menina Clara gostava dos momentos em que ouvia música e tinha certeza de que o minuto seguinte seria mudado repentinamente. Quando ouvia She´s leaving home sabia que Paul era o homem de sua vida e que a solidão que sentia em seu quarto era compartilhada por ao menos mais uma pessoa nesse mundo. Sentia uma força imensa e alimentava sua coragem ao ouvir a história contada por Paul da menina que saía da casa dos pais depois de viver só por muitos anos.

Após disso, a vida lhe trazia uma dose de realidade que não gostava de sentir, causava desconforto, pois lhe confundia a cabeça. Os papéis não eram tão bem definidos, o que queria não estava tão claro. A única certeza que continuava a ter era de que Paul era o homem de sua vida, pois conseguia caminhar pelos dois pólos que a atormentava. Podia ser tanto a menina que saía de casa como o pai que sentia a dor de sua partida.

Once there´s a way to get back home.

A frase poderia ser dita pela mesma menina, poucos anos depois.


A esperança de ter no fim todo o amor que produziu fazia com que Clara esperasse o fim com uma certa ansiedade. E pensava além, gostava de imaginar que o amor produzido em seu quarto solitário seria sentido e distribuído por alguém como Paul, ou que ao menos chegasse até ele pela inexplicável capacidade humana de transmitir os sentimentos dos quais não sabem a origem.

Clara sabia que se de certa forma avançávamos, isso nada tinha a ver com a ciência, mas sim com a capacidade humana de transmitir os pensamentos e sentimentos que nem sabiam de onde vinham.

Clara sempre sonhava, ao ouvir She´s leaving home, com um pai que desejasse como nunca tê-la.

quarta-feira, outubro 10

O poeta e o poema

Com traços fortes,
Riso frouxo,
E muitos dentes,
O poeta tornou-se um poema.

No centro da Lapa,
No centro da roda,
Vejo-o dissipar alegria não mais com palavras escritas,
Muito menos declamadas,
Mas com a leveza e constância de seu sorriso
E com os ouvidos atentos de quem sabe enxergar o outro.

Sem a necessidade de palavras,
Que emprega como ninguém,
O poeta risonho tornou-se sua melhor obra
E pude observar no mundo em sua volta
O resultado da irradiação de seus versos mais bonitos.

A prostituta,
O bêbado,
A criança,
O músico
E o suposto malandro,
Dançam, tocam e cantam próximos aos arcos,
Sob a regência do poeta.

Eu, também recebendo essa energia,
Descobri que quando o poeta vive aquilo que escreve,
Torna-se um poema
Com uma capacidade extremamente superior de despertar no mundo
A beleza da descoberta dos sentimentos.

quinta-feira, junho 28

Equitativa

E a idéia, quiçá uma ilusão, ou talvez uma pretensão pela dúvida, de que as nuvens, o pôr do sol e o mar não dependem de nós, me fez sentir um desejo enorme de vê-los do lugar mais bonito todos os dias para que eu tenha a esperança renovada cotidianamente para entender que apesar das nossas dificuldades de lidar com as dificuldades alheias o sol continua nascendo e se pondo sem ligar para as nossas crises existenciais.

Por ele mesmo

Enquanto te enterravam no cemitério judeu
do Caju
(e o clarão de teu olhar soterrado
resistindo ainda)
o táxi corria comigo à borda da Lagoa
na direção de Botafogo
as pedras e as nuvens e as árvores
no vento
mostravam alegremente
que não dependem de nós

(Morte de Clarice Linspector - Ferreira Gullar)

sábado, junho 9

Margem

Eu vivo à beira.

Sou, ou quero ser, um ser marginal.

À margem do supostamente trivial, eu vivo.

Busco a diferença em tortuosos e já conhecidos caminhos.

Nada de novo.

Eu sou uma inovação do velho.

Tento me diferenciar por uma neurose já conhecida,

por uma incesante mania de ser mais,

que quanto mais quer ser, menos é.

Experimento o sonho em dias reais.

Tenho os amigos dos momentos certos,

embora em certos momentos eles não existam.

Choro com filmes sobre humanos,

me emociono com os equívocos de ser.

Sou e esqueço que sou em dias cinzas.

Tenho pequenas emoções que me fazem sentir grande.

Tenho grandes descompassos que me fazem sentir pequeno.

Eu quero ter filhas.

Sonho com a continuidade da vida,

mesmo que marginal.

Dúvida

Eram tantas histórias, com tantos detalhes, com uma sutileza ímpar, contadas minuciosamente, que eu me perguntava: como essa senhora vive tantas coisas se gasta todo seu tempo contando o que supostamente viveu?

terça-feira, maio 29

A Procura

Procurei descansar até terminar o sonho, ignorando que sua razão de ser está em sua infinitude. Tentei por algumas vezes continuá-lo, agarrá-lo, não deixar que a imagem saísse de foco ou que virasse som de telefone. Em vão, levantei para o outro sonho, que há quem diga ser a vida real. Demorei a torná-la um sonho e não há quem me faça desistir, embora por vezes, assim como nos sonhos em que todos concordam ser sonhos, tenha vontade de pará-lo, torná-lo menos intenso, ou ao contrário, torná-lo ainda mais intenso justamente pela sua descontinuidade.

Levantei com uma calma digna dos fins de semana, preparei-me lentamente na busca do que havia perdido há uns meses atrás. Estava calmo, certo de que o deixara em algum livro, caderno, no bolso de alguma calça jeans ou atrás da cama. A calma devia-se ao fato de saber que só achamos coisas, sobretudo quando importante, quando não as procuramos.

No caminho da ilha em que trabalho, tive a impressão de tê-lo encontrado em algumas músicas, mas a estranha fluidez do trânsito, impediu-me de vê-lo como um todo. O espaço em que tento transformar em arquipélago de sonhos por meio do compartilhamento de idéias dos que também ampliaram as suas idéias de sonho é um ambiente também propício ao desfacelamento do sonho contínuo, dividindo-o por conta da racionalidade excessiva ali presente.

Ao chegar no pequeno espaço que divido na ilha, sorri com os rostos expostos dos que há muito transformaram suas vidas reais em sonhos continuados. Os rostos expostos pelo amigo da vida toda, sorriam. Mesmo os sisudos. O amigo da vida toda, que expusera os rostos, encontrava-se angustiado pelo contato excessivo com os de racionalidade excessiva. O procurei para opinar sobre a necessidade de ceder em determinados momentos.

Certas práticas no pequeno pedaço da ilha quase me fazem acreditar na divisão sonho/vida real, mas logo me deparo com as marcas de quem já travou essa luta antes e as acho mais bonitas dos que as faces limpas dos que acreditam ter chegado à verdade.

Saio antes da ilha disposto a encontrar o que havia perdido em uma história há muito travada contra ou a favor da instituição mais antiga então vigente. Dei de cara com faixas, fruto da contemporânea luta que não sei ao certo ser a mesma que travo. Aliás, travo eu uma luta?

Procuro manter a estranha calma da manhã. Ando lentamente pelas ruas do novo bairro em que vivo em busca de novidades. Procuro o que havia perdido em algumas lojas, rostos e telefonemas não atendidos.

No fim da noite, início da madrugada, após voltar de um ritual dos que acreditam na separação sonho/vida real, que estranhamente gosto, procuro mais uma vez a lentidão da manhã, não muito normal pra mim. Procuro em pratos de comida, taças de vinho, páginas de livro e me convenço que só o encontrarei quando não mais procurar.

Descanso com a calma da manhã.

quinta-feira, março 15

Reverência

A esse coração que quer o mundo,
que quer partir e depois juntar tudo
que quer compartilhar todos os sentimentos egoístas,
que deseja companhia quando uma luz se acende
e evidencia toda a estupidez
do ciúmes,
da inveja,
da vaidade,

eu reverencio,
pois é o único que tenho.

sexta-feira, março 9

Pieguice gostoooosa

Hoje o meu dia amanheceu assim:
As palavras finais estão prolongaaaaadas,
Os textos que leio estão tão boniiiiiitos,
A saudade que bate apertaaaaada,
O carinho que cresce comigo.

Estou com aquele olhar vivo dos dias booons,
Sem a vista enevoada dos nem tanto,
Com uma clareza boa do meu sentimento
E sem o medo inútil que paralisa.

A violeta tá floriiiiida,
O quixote imponeeeente
O matin verdiiiiiin
Os miquinhos escondidos.

Hoje eu tô aberto pra balanço!

Desejo indesejável

As garras que te mostro,
O canto que te canto,
Os poemas que te escrevo,
O pranto que a ti confesso
O eu que sou teu

Não são suficientes para que esqueças
o que foi?
O que já passou e só ganha espaço
Porque não é mais?


Ainda bem que não...

segunda-feira, fevereiro 19

Quase 4 meses

E sigo sonhando
e sigo vivendo.

Vivendo sonhando a vida que o sonho me trouxe.

Pra ele acendo uma vela.

Andressa

Não mais que 9,
menina.

Com a toalha sobre os ombros,
evita a dor que o peso das bebidas
pode causar em sua coluna de
menina.

Aprende rapidamente a dissuadir
e facilmente esconde a sua face de
menina.

Menina,
não mais que 9,
sonha com o dia em que a tratem como
menina.

Em que não mais precise
usar as forças que não tem
para sustentar o peso das latas
que destróem a sua coluna de
menina.

Faz doer a minha alma
pela possibilidade de ser
a minha menina,
que antes dos 9
se utiliza de uma toalha
para diminuir a dor
que não sabe ser causada
pela frieza dos que não entendem nada de
meninas.

Só sentimos por conta da possibilidade de vivermos,
se é que me entendem.

sexta-feira, fevereiro 9

Dorme

Quando dormes, pareces o anjo que imagino
Quando acordas, és a mulher que desejo
Quando desejas, sou o homem que queres
Quando queres, nem sempre te satisfaço.

Diferimos em número, gênero e grau
Assemelhamo-nos em número, gênero e grau
És singular quando sou plural
Sou plural quando és singular.
Por vezes convergimos.

Se queremos de nós algo maior,
Se queremos dar fruto a outro ser,
Precisamos convergir na divergência
E buscar nos dias tortos,
A congruência de nossos passos tortos.

Não sei o que nos espera,
Além de uma lembrança eterna,
De um carinho gigantesco
E de um amor já sentido
Que nunca se “dessente”.

Seja lá o que for, meu bem,
Seja lá quem encontremos nos blocos
E o que o for acontecer,
Já te amo para sempre.

Poucos entendem o para sempre,
Mas certo de que sabes
Que certos sentimentos são eternos,
Por mais que momentâneos,
Deixo-te em paz,
Na calada da noite,
Pois assim a vida te quer.

Doce, suave, áspera, fogosa,
Cínica.

Te amo!

segunda-feira, janeiro 29

Sem saber

Faz tempo que aqui não falo de Clara, o que não quer dizer que a tenha esquecido. Depois de 4 longos meses, continuo a história da menina que me ajuda a compreender algumas de minhas dores, abrindo e fechando portas. Quatro meses em que recontei o que dela sabia, guardei coisas mais íntimas, encontrei uma carta da doce menina e preferi me calar por não saber ao certo o que ela gostaria que outros soubessem. Hoje, desisti, por achar que ninguém tem o direito de cobrar o silêncio de ninguém.

Clara dizia se incomodar com o mundo das palavras. “Por que não optamos pela linguagem dos olhares? As sobrancelhas dizem mais que juras de amor”, costumava dizer a menina. Já havia experimentado duas ou três vezes a paixão. A dúvida deve-se ao fato de uma delas ter se revertido no sentimento oposto, o que a fazia optar pela renúncia do que, de fato, havia sentido. Clara ainda não havia descoberto que só quem tem o poder de nos causar dor, é quem assume um lugar tão grande no coração que é capaz de comer um pedaço dele. Clara não teve tempo de descobrir que o coração também se regenera, que o sol nasce e se põe independente de suas dores e que fora dela havia uma infinidade de sentimentos esperando por alguém.

Nessa paixão renunciada, Clara nunca soube dizer ao certo o que sentia. Na dor sentida, também não. Preferia a negação. Mas sabia que em alguns momentos seu corpo dissera mais do que qualquer palavra poderia dizer, como no dia em que ainda menina se entregou nua, sem dizer uma palavra, pedindo para que o jovem rapaz de cabelos crespos, também nada dissesse. Clara esperava dele todo o carinho que seu corpo pedia, mas o jovem rapaz, que nada entendia de linguagem dos corpos, não compreendeu. Se ela dissesse algo, tampouco entenderia.

Para o entendimento entre duas pessoas necessita-se mais do que palavras ou linguagem corporal. É preciso sintonia, que por vezes nem o amor é capaz de gerar. É preciso renúncia de verdades e, inclusive mágoas, para que a comunicação se dê de forma clara. E Clara não soube, nem pôde renunciar suas mágoas. É preciso tempo e maturidade.

Sem saber, Clara guardou o sentimento que só alguém com aquela importância poderia gerar. Nunca soube expressar o que sentia com relação ao rapaz. Deixava em sua dúvida quanto à paixão sentida, a maior prova pros que soubessem de sua história de que a mágoa era a única forma de expressar a maior paixão que já teve. Para perdoá-lo, era necessário que não mais sentisse a paixão e dor que ele lhe causava. Sem saber, cultuava sua dor.

terça-feira, janeiro 9

Desejo boooobo

Eu, no auge da bobice,
queria que as pessoas carameladas da minha vida,
estivessem conectadas por um fio
ou por um mega infra moderno,
para que eu não perdesse nenhum comentário importante,
desses que caem de repente na cabeça,
perdem a graça logo e,
mesmo que encontre o caramelo 10 minutos depois,
não tem mais graça.

sábado, novembro 18

Palavras-chave

Você é uma lindeza tão linda
e um doce tão doce
que só do mais escondido esconderijo
consigo enxergar
a bela beleza
do seu olhar doce, lindo, escondido e belo.

Eu sou uma imperfeição ambulante,
em busca da perfeição ambulatória,
que nem medicar a minha médica
consigo
diante das minhas doenças doentias.

Extrapolo os limites da individualidade
e só enxergo a minha feliz felicidade
porque já tive minha tristeza extrapolada
pelas cegueiras da reciprocidade
que inventei na criativa mente e pensamentos
que crio a cada segundo de vida vivida.

Também peço-te perdão
pela imperdoável mania de querer
me desculpar pelas culpas presentes
nas ausências do meu ser.

Quando ausente,
sinto-me apenas
esquecendo o que vem do lado de lá,
pedindo pra ficar.

Queria dormir ao seu lado agora.