sábado, outubro 16

A pauta política que merecemos

Ando nos últimos dias um tanto frustrado com os rumos que estão tomando o debate político do segundo turno.

Ando pensando bastante sobre essa frustração porque é muito comum dizermos que os políticos não prestam, que são corruptos etc etc etc

em primeiro lugar, quem se candidata? Até podemos chegar à conclusão de que os nossos principais pensadores e pessoas mais capacitadas não entram na política. Não sei se é bem assim. Eu acho, sim, que as pessoas que têm posições mais coerentes com uma linha de pensamento autônoma não entram na política ou não se elegem pelo simples fato de ser necessário adaptar o seu discurso aos rumos de uma eleição. E essa, sinceramente, acho que é uma caracteristica forte da nossa sociedade. Autonomia de pensamento é algo muito difícil de vermos hoje em dia. Não estou falando em não ser influenciado por alguém, mas, sim, poder escolher as suas influências e em determinados momentos discordar delas também. Concluo nesse momento que os candidatos refletem fielmente a sociedade brasileira.

em segundo lugar, quem define a pauta política nesse país? Passamos anos sem discutir política. Futebol, religião, BBBs etc em determinados espaços são temas únicos. Eu, pessoalmente, adoro falar de futebol, ter espaços de entretenimento e fé também não é o problema, mas quando discutimos a educação do país, política de ciencia e tecnologia, política habitacional, reforma agrária etc? Claro que há pessoas que discutem isso, mas estou falando do grosso da população, que sejam questões que tomem conta do nosso dia-a-dia como o futebol. Isso está muito longe de acontecer porque é muito mais fácil dizer que os políticos são corruptos e que não gostamos de discutir política. Por isso é muito fácil fazer com que a pauta política de uma eleição sejam questões de fóro íntimo, como a opção sexual da candidata x; o fato dela ser casada ou não; do candidato x ter fumado maconha na escola ou ter traído a sua mulher; questões que não dizem absolutamente nada sobre a posição política de determinada pessoa. Essa ideia de que o povo é enganado é pra mim uma grande baboseira. As pessoas querem se enganar, escolhem só falar de religião durante todo o seu tempo ao invés de exercerem o papel de cobrança da política pública. E, claro, que não adianta que meia dúzia faça isso. Se não for atitude de uma boa parcela da população, a meia dúzia será ridicularizada, taxada de xiita, radical etc.

Minha frustração baseia-se, sobretudo, em perceber que a pauta política em que acredito não é debatida. Sobre educação, saúde, os candidatos falam a mesma coisa, sem debate. Embora a prática dos dois partidos tenham sido muito distintas. Enquanto FHC tentou sucatear a universidade pública, não criou nenhuma universidade nova, desrespeitou a autonomia universitária (como fez serra na USP em São Paulo), Lula criou 14 universidades federais novas, mais de 100 campi no interior do país e mais de 100 escolas técnicas, além do PROUNI etc etc.

Serra usa o mesmo discurso das escolas técnicas, fala em manutenção do PROUNI, mas quem estudou na USP nos últimos anos sabe a lástima que é a política psdbista para as universidades.

Voltando à pauta política: onde se fala de reforma agrária?; onde se fala dos monopólios e oligopólios?; a questão ambiental é despolitizada (como a feita pela Marina Silva); onde se coloca as questões das populações tradicionais?; quando foi discutido o abuso das mídias, taxaram o governo de ditatorial e isso cola pra população; onde se fala na integração latinoamericana?

Essa pauta não existe no segundo turno. Acho, sim, que o Lula fez nesses campos muito mais coisas que do que fez o FHC, como: o reconhecimento dos quilombolas, inclusão dos pescadores e indígenas em programas da política, freio na privatização das empresas públicas, política externa exemplar, com reconhecimento de direitos históricos de países pobres como Bolívia e Paraguai, além do exemplar apoio ao Zelaya em Honduras, vítima de um golpe de estado; inclusão da economia solidária na política de governo, embora os recursos ainda sejam irrisórios.

Apesar disso, eu também tenho divergências centrais no modelo de desenvolvimento adotado pelo governo (Belo Monte, CSN, Thyssen Krup etc).

Mas a questão é que não se fala disso no deate político. Falar de reforma agrária é quase um tabu. embora muitos países capitalistas tenham feito sua reforma agrária; declarar apoio aos governantes de esquerda da América Latina soa como um tiro no pé; defender um discurso de esquerda hoje é impossível prum candidato que quer se eleger.

Será mesmo que cada país tem o presidente que merece? Me assusta muito a possibilidade de merecermos o José Serra? Hoje em dia, ao mesmo tempo em que poucas pessoas se assumem de esquerda, são muito poucos também os que se assumem de direita.

A prática do PSDB é uma prática de direita em todos os governos que teve até hoje, embora tenha nascido com a bandeira da social democracia. Respeito as pessoas que se assumem de direita e coerentemente votam no candidato que representa suas posições ideológicas, mas me assusto quando essa bandeira não é assumida e arugumentos como o da "experiência política" passam a ser definitivos para a escolha de um candidato.

A minha formação ao longo da vida faz com que defenda pautas como a radicalização da reforma agrária, com uma limitação muito maior do que a sugerida pelo plebiscito à propriedade de terra; ao apoio intenso na formação de empreendimentos que não tenham patrão pra que possamos rumar para uma sociedade onde não haja a propriedade privada dos meios de produção.

Esses pontos certamente não serão frutos de políticas de nenhum dos candidatos. Essa ilusão eu não tenho. Mas também não sou partidário da tese de que quanto pior está, melhor ficará. Gosto muito de ver a quantidade de pessoas que sairam da miséria nesse governo, gosto de ver o ensino público superior ser fortalecido, gosto muito de ver políticas que tenham a participação como método e os povos tradicionais sendo atendidos por elas, gosto de ver a extensão universitária crescendo no meu país.

Apenas pra ilustrar o que falo. Num dos momentos de maior desilusão com o governo Lula, em janeiro de 2008, fiz uma viagem ao sertão do Brasil e notei que as pequenas oficinas mecânicas, sapateiros, bares simples, junto com fotos do flamengo e de mulheres do calendário, colocavam a foto do Lula. Pela primeira vez me atentei para a importância do Bolsa Família para o povo que nunca foi atendido por qualquer política pública. Nesses lugares 200 reais é, sim, suficiente para comer e não morrer de fome.

Pelos avanços que tivemos, declaro que meu voto no primeiro turno e meu apoio no segundo turno é para Dilma Roussef. Na expectativa de que não retrocedamos, que não percamos conquistas importantes e que possamos cobrar dela para que tenhamos uma pauta e ações de esquerda nesse país.

Largo do Machado, amanhã às 10 horas da manhã. Nem sei o que farei lá, mas lá estarei com amigos fazendo barulho.

quinta-feira, outubro 7

A fuga do debate político pra tudo ficar como está

Segundo turno das eleições 2010. Sim, estou desesperado com a possibilidade, mesmo que ínfima, de eleição de José Serra à presidência da República. Retorno das privatizações, seja das estatais, seja das universidades. Retorno de uma política que caga na cabeça de quem mais precisa de políticas públicas. Retorno de Paulo Renato, FHC e nomes nefastos, como de Artur Virgílio, com possibilidade de assumirem o cargo de ministro do Brasil.

Não sou partidário da tese de que quanto pior, melhor são as chances de mudanças estruturais. Acho mesmo que quanto pior tá, maior o reacionarismo e menor a chance de qualquer mudança para um país mais justo. Refuto a teoria de que o avanço do capitalismo cria a base capaz de mudar as coisas. O avanço do capitalismo aumenta a alienação e a bestialização das pessoas.

Por isso me sinto na responsabilidade de fazer algo diante dessa campanha, mesmo que Dilma Roussef esteja longe de representar o meu projeto político. E dentro desse algo que quero fazer, sinto, em um primeiro momento, necessidade de responder às questões que fizeram com que Dilma Roussef caísse nas pesquisas: suposto homossexualismo e defesa da união de homossexuais, suposto apoio à descriminalização do aborto, envolvimento da candidata com a guerrilha urbana no período da ditadura, entre outras questões que as pessoas cismam em chamar de denúncias.

Acho que a defesa cabe a ela, pois está em campanha e, infelizmente, no Brasil, quem quer se eleger presidente precisa entrar num discurso medieval pra não confrontar a igreja e a hipocrisia do povo. E vamos sempre continuar nessa? No desespero, a solução é ter que se adequar à mediocridade e se opor às discussões que devem ser feitas?

Ela irá cumprir esse papel, não tenho dúvida, mas acho que cabe nesse momento que tentemos começar uma mudança dessa lógica sinistra. Precisamos começar um processo de desalienação ou “deshipocritização” e argumentar porque defendemos a legalização do aborto, o casamento entre homossexuais, o julgamento dos militares envolvidos com tortura na ditadura e todas as questões que tentam retirar do debate político.

Peço calma aos conservadores de plantão, não sei se são essas as posições de Dilma Roussef e mesmo que seja, ela não tem poder de implementar leis da noite pro dia , como algumas igrejas tentam fazer crer, em um claro movimento de alienação e bestialização das pessoas. São minhas colocações para que haja debate político, ao invés de jogo medíocre que vimos até hoje.

Lula, presidente com quase 80% de aprovação, disse diversas vezes que aborto é caso de saúde pública. Não se trata de defender o aborto; não acho aborto uma prática saudável, não gostaria que minha filha abortasse, mas devemos pensar no caos que é a questão do aborto no Brasil. Ninguém deixa de abortar por ser ilegal. A diferença é que as meninas de classe média e alta usam as clínicas privadas para isso e a classe mais pobre aborta em casa, botando em risco a vida de crianças que engravidam a partir dos 12 anos. Não querem discutir isso? Vamos deixar como está? Fingir que o aborto é ilegal? Quase todas as religiões impedem que essa discussão comece.

Sobre a união entre homossexuais, chega a ser bizarra a oposição de uma parte da população. Por que isso afeta tanto as pessoas? Qual o medo que elas têm? Precisamos colocar o dedo na ferida ao invés de acatarmos a mediocridade desse discurso. Acho que até mesmo as reacionárias redes de televisão já se conscientizaram da necessidade de avançarmos nesse debate. Nossa vizinha Argentina já permite a união entre homossexuais e a moral das famílias não está afetada por conta disso.

Sobre o último ponto que levantei, peço encarecidamente que as pessoas leiam sobre o que foi a ditadura militar e o que significou a luta dos militantes, como Dilma e, pasmem, Serra, para democratizarmos o país. Sim, sim, José Serra também foi preso e fichado, da mesma forma que Dilma (resposta ao e-mail tentando criminalizar Dilma com uma ficha criminal). Sem essa luta ninguém teria a oportunidade de votar hoje.

Não acreditem em qualquer baboseira que lêem na internet, nem nas minhas. Há várias maneiras de averiguar os fatos, inclusive sobre o que fala o pastor, padre, rabino etc.

Repetindo, não sei se são essas as posições da candidata. São as minhas e eu até gostaria que fossem as dela, mas acho lamentável que fujamos do debate para que não confrontemos setores reacionários de nossa sociedade. Se ela não pode fazer isso (e não pode mesmo), cabe a nós, que acreditamos na importância desse debate, discutirmos em todos os espaços que pudermos.