quinta-feira, junho 28

Equitativa

E a idéia, quiçá uma ilusão, ou talvez uma pretensão pela dúvida, de que as nuvens, o pôr do sol e o mar não dependem de nós, me fez sentir um desejo enorme de vê-los do lugar mais bonito todos os dias para que eu tenha a esperança renovada cotidianamente para entender que apesar das nossas dificuldades de lidar com as dificuldades alheias o sol continua nascendo e se pondo sem ligar para as nossas crises existenciais.

Por ele mesmo

Enquanto te enterravam no cemitério judeu
do Caju
(e o clarão de teu olhar soterrado
resistindo ainda)
o táxi corria comigo à borda da Lagoa
na direção de Botafogo
as pedras e as nuvens e as árvores
no vento
mostravam alegremente
que não dependem de nós

(Morte de Clarice Linspector - Ferreira Gullar)

sábado, junho 9

Margem

Eu vivo à beira.

Sou, ou quero ser, um ser marginal.

À margem do supostamente trivial, eu vivo.

Busco a diferença em tortuosos e já conhecidos caminhos.

Nada de novo.

Eu sou uma inovação do velho.

Tento me diferenciar por uma neurose já conhecida,

por uma incesante mania de ser mais,

que quanto mais quer ser, menos é.

Experimento o sonho em dias reais.

Tenho os amigos dos momentos certos,

embora em certos momentos eles não existam.

Choro com filmes sobre humanos,

me emociono com os equívocos de ser.

Sou e esqueço que sou em dias cinzas.

Tenho pequenas emoções que me fazem sentir grande.

Tenho grandes descompassos que me fazem sentir pequeno.

Eu quero ter filhas.

Sonho com a continuidade da vida,

mesmo que marginal.

Dúvida

Eram tantas histórias, com tantos detalhes, com uma sutileza ímpar, contadas minuciosamente, que eu me perguntava: como essa senhora vive tantas coisas se gasta todo seu tempo contando o que supostamente viveu?