sexta-feira, novembro 21

Poema da Lata

A história vivida, contada, encantada, virou sonho.

O sonho vivido, sentido, narrado, virou história.

História e sonho se confundem em outros sonhos e histórias.

Sonho e história fazem nova história e despertam novos sonhos.


Os valores que possuía o sobrevivente da guerra urbana,

Remanescente do que dizem ser a primeira favela brasileira,

Impressionavam o jovem de olhos miúdos,

Que atento às suas histórias e causos,

Energizou suas esperanças de transformação.


Ouviu, sentiu, aguardou o seu retorno,

Quando não esperava mais o reencontro,

Surpreendeu-se com o inimaginável,

Com o desprendimento material de quem nada tem.


Percebeu que mesmo na pobreza,

Quiçá miséria,

Há espaço para valores distintos,

Para entender que há questões que valem mais,

E obviamente isso não provém da miséria.


No dia posterior, com o sentimento à flor da pele,

Relatou para os companheiros que quer ver na mudança pretendida,

Todo o sentimento ali vivido,

Buscava eco.


Como não se controla o que daí resulta,

A história vivida, contada, encantada, virou sonho.

O sonho vivido, sentido, narrado, virou história.

História e sonho se confundem em outros sonhos e histórias.

Sonho e história fazem nova história e despertam novos sonhos.


O homem de valores, roupa preta, pai,

Catador de latas,

Virou sonho.


(Marcelo Ribeiro e Flávio Chedid)

segunda-feira, novembro 17

Parceria Dialética

Fotografei um mundo caô,

Vi que ele era muito cão.

Ao fim,

E antes que a noite acabasse,

Me pus a lembrar

Dos momentos que congelados

Ficaram foto-grafados.


No movimento da vida,

Não há foto-grafia

Que congele o sentimento.


O sentimento existe,

Embora seja outro.

É mais um sentimento de resgate

do sentimento que foi,

o que em si é um sentimento novo.


A saudade transforma o sentimento

Em Sentimento.


Os instantes são únicos

Melhor às vezes esquecer as fotografias,

Deixar a pose,

Mergulhar na vida,

Sorrir com a lembrança

Do instante não congelado.


No ir devir da Maré,

Encontrei novas foto-grafias,

Agora em movimento,

Dançam, balançam, enchem,

Engendram um pensamento

Que incita um novo viver.


O movimento é transformação.


(Wendell Ficher e Flávio Chedid)

sexta-feira, fevereiro 22

Recíproca

Uma profunda vontade de dizer o que vem à mente
Uma necessidade ímpar de compartilhar as angústias vividas
Uma oportunidade única de fundir as vidas,
De fazer dos nossos desejos íntimos,
Segredos.

Embora segredos sejam feitos para ser contados,
A idéia de que teu segredo foi revelado
E, sobretudo, aceito,
Ajuda a suavizar as regras que te foram ensinadas
E que de certa forma ajudas a prosseguir.

Nada, nada, nada no mundo substitui a sensação da reciprocidade
Do amor da amizade.

A admiração quando retornada
Facilita as dificuldades da vida
E retira a importância das deusificações desnecessárias.

Ah, se soubésseis o quanto que vos estimo!
(sem deusificação)
Com uma enorme vontade, quiçá necessidade,
De aceitá-los exatamente como são
(talvez por uma vontade estúpida de diminuir as minhas cobranças).

Tenho certeza da maior fluidez de seus pensasentimentos
(embora alguns já tenham uma fluência excelente),
Quando são tudo que podem ser.

A vontade de tê-los por perto toda vez que sinto o melhor de mim,
Denuncia o amor mais sincero,
Embora haja nesse desejo uma autopropaganda,
O que não acredito diminuir a intensidade do companheirismo aí presente.

Deixando de lado as generalizações
E com uma enorme vontade de declarar,
Tenho ao meu lado doçuras tão belas
Que ao mesmo tempo em que compartilham comigo as amarguras da vida,
Exalam perfume, vontade de entender,
E sonham com o que os que os sabidos da vida consideram utópico.

Mal sabem que a utopia é o não-lugar do presente,
Mas que tem uma influência única sobre o futuro,
Ou não é o futuro construído pelos mesmos seres capazes de serem utópicos?!

Dito o que veio a mente,
Declaro a vocês todo amor que me fazem sentir.

quinta-feira, fevereiro 14

Filha do Paul

A menina Clara gostava dos momentos em que ouvia música e tinha certeza de que o minuto seguinte seria mudado repentinamente. Quando ouvia She´s leaving home sabia que Paul era o homem de sua vida e que a solidão que sentia em seu quarto era compartilhada por ao menos mais uma pessoa nesse mundo. Sentia uma força imensa e alimentava sua coragem ao ouvir a história contada por Paul da menina que saía da casa dos pais depois de viver só por muitos anos.

Após disso, a vida lhe trazia uma dose de realidade que não gostava de sentir, causava desconforto, pois lhe confundia a cabeça. Os papéis não eram tão bem definidos, o que queria não estava tão claro. A única certeza que continuava a ter era de que Paul era o homem de sua vida, pois conseguia caminhar pelos dois pólos que a atormentava. Podia ser tanto a menina que saía de casa como o pai que sentia a dor de sua partida.

Once there´s a way to get back home.

A frase poderia ser dita pela mesma menina, poucos anos depois.


A esperança de ter no fim todo o amor que produziu fazia com que Clara esperasse o fim com uma certa ansiedade. E pensava além, gostava de imaginar que o amor produzido em seu quarto solitário seria sentido e distribuído por alguém como Paul, ou que ao menos chegasse até ele pela inexplicável capacidade humana de transmitir os sentimentos dos quais não sabem a origem.

Clara sabia que se de certa forma avançávamos, isso nada tinha a ver com a ciência, mas sim com a capacidade humana de transmitir os pensamentos e sentimentos que nem sabiam de onde vinham.

Clara sempre sonhava, ao ouvir She´s leaving home, com um pai que desejasse como nunca tê-la.