terça-feira, maio 29

A Procura

Procurei descansar até terminar o sonho, ignorando que sua razão de ser está em sua infinitude. Tentei por algumas vezes continuá-lo, agarrá-lo, não deixar que a imagem saísse de foco ou que virasse som de telefone. Em vão, levantei para o outro sonho, que há quem diga ser a vida real. Demorei a torná-la um sonho e não há quem me faça desistir, embora por vezes, assim como nos sonhos em que todos concordam ser sonhos, tenha vontade de pará-lo, torná-lo menos intenso, ou ao contrário, torná-lo ainda mais intenso justamente pela sua descontinuidade.

Levantei com uma calma digna dos fins de semana, preparei-me lentamente na busca do que havia perdido há uns meses atrás. Estava calmo, certo de que o deixara em algum livro, caderno, no bolso de alguma calça jeans ou atrás da cama. A calma devia-se ao fato de saber que só achamos coisas, sobretudo quando importante, quando não as procuramos.

No caminho da ilha em que trabalho, tive a impressão de tê-lo encontrado em algumas músicas, mas a estranha fluidez do trânsito, impediu-me de vê-lo como um todo. O espaço em que tento transformar em arquipélago de sonhos por meio do compartilhamento de idéias dos que também ampliaram as suas idéias de sonho é um ambiente também propício ao desfacelamento do sonho contínuo, dividindo-o por conta da racionalidade excessiva ali presente.

Ao chegar no pequeno espaço que divido na ilha, sorri com os rostos expostos dos que há muito transformaram suas vidas reais em sonhos continuados. Os rostos expostos pelo amigo da vida toda, sorriam. Mesmo os sisudos. O amigo da vida toda, que expusera os rostos, encontrava-se angustiado pelo contato excessivo com os de racionalidade excessiva. O procurei para opinar sobre a necessidade de ceder em determinados momentos.

Certas práticas no pequeno pedaço da ilha quase me fazem acreditar na divisão sonho/vida real, mas logo me deparo com as marcas de quem já travou essa luta antes e as acho mais bonitas dos que as faces limpas dos que acreditam ter chegado à verdade.

Saio antes da ilha disposto a encontrar o que havia perdido em uma história há muito travada contra ou a favor da instituição mais antiga então vigente. Dei de cara com faixas, fruto da contemporânea luta que não sei ao certo ser a mesma que travo. Aliás, travo eu uma luta?

Procuro manter a estranha calma da manhã. Ando lentamente pelas ruas do novo bairro em que vivo em busca de novidades. Procuro o que havia perdido em algumas lojas, rostos e telefonemas não atendidos.

No fim da noite, início da madrugada, após voltar de um ritual dos que acreditam na separação sonho/vida real, que estranhamente gosto, procuro mais uma vez a lentidão da manhã, não muito normal pra mim. Procuro em pratos de comida, taças de vinho, páginas de livro e me convenço que só o encontrarei quando não mais procurar.

Descanso com a calma da manhã.

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