quinta-feira, outubro 7

A fuga do debate político pra tudo ficar como está

Segundo turno das eleições 2010. Sim, estou desesperado com a possibilidade, mesmo que ínfima, de eleição de José Serra à presidência da República. Retorno das privatizações, seja das estatais, seja das universidades. Retorno de uma política que caga na cabeça de quem mais precisa de políticas públicas. Retorno de Paulo Renato, FHC e nomes nefastos, como de Artur Virgílio, com possibilidade de assumirem o cargo de ministro do Brasil.

Não sou partidário da tese de que quanto pior, melhor são as chances de mudanças estruturais. Acho mesmo que quanto pior tá, maior o reacionarismo e menor a chance de qualquer mudança para um país mais justo. Refuto a teoria de que o avanço do capitalismo cria a base capaz de mudar as coisas. O avanço do capitalismo aumenta a alienação e a bestialização das pessoas.

Por isso me sinto na responsabilidade de fazer algo diante dessa campanha, mesmo que Dilma Roussef esteja longe de representar o meu projeto político. E dentro desse algo que quero fazer, sinto, em um primeiro momento, necessidade de responder às questões que fizeram com que Dilma Roussef caísse nas pesquisas: suposto homossexualismo e defesa da união de homossexuais, suposto apoio à descriminalização do aborto, envolvimento da candidata com a guerrilha urbana no período da ditadura, entre outras questões que as pessoas cismam em chamar de denúncias.

Acho que a defesa cabe a ela, pois está em campanha e, infelizmente, no Brasil, quem quer se eleger presidente precisa entrar num discurso medieval pra não confrontar a igreja e a hipocrisia do povo. E vamos sempre continuar nessa? No desespero, a solução é ter que se adequar à mediocridade e se opor às discussões que devem ser feitas?

Ela irá cumprir esse papel, não tenho dúvida, mas acho que cabe nesse momento que tentemos começar uma mudança dessa lógica sinistra. Precisamos começar um processo de desalienação ou “deshipocritização” e argumentar porque defendemos a legalização do aborto, o casamento entre homossexuais, o julgamento dos militares envolvidos com tortura na ditadura e todas as questões que tentam retirar do debate político.

Peço calma aos conservadores de plantão, não sei se são essas as posições de Dilma Roussef e mesmo que seja, ela não tem poder de implementar leis da noite pro dia , como algumas igrejas tentam fazer crer, em um claro movimento de alienação e bestialização das pessoas. São minhas colocações para que haja debate político, ao invés de jogo medíocre que vimos até hoje.

Lula, presidente com quase 80% de aprovação, disse diversas vezes que aborto é caso de saúde pública. Não se trata de defender o aborto; não acho aborto uma prática saudável, não gostaria que minha filha abortasse, mas devemos pensar no caos que é a questão do aborto no Brasil. Ninguém deixa de abortar por ser ilegal. A diferença é que as meninas de classe média e alta usam as clínicas privadas para isso e a classe mais pobre aborta em casa, botando em risco a vida de crianças que engravidam a partir dos 12 anos. Não querem discutir isso? Vamos deixar como está? Fingir que o aborto é ilegal? Quase todas as religiões impedem que essa discussão comece.

Sobre a união entre homossexuais, chega a ser bizarra a oposição de uma parte da população. Por que isso afeta tanto as pessoas? Qual o medo que elas têm? Precisamos colocar o dedo na ferida ao invés de acatarmos a mediocridade desse discurso. Acho que até mesmo as reacionárias redes de televisão já se conscientizaram da necessidade de avançarmos nesse debate. Nossa vizinha Argentina já permite a união entre homossexuais e a moral das famílias não está afetada por conta disso.

Sobre o último ponto que levantei, peço encarecidamente que as pessoas leiam sobre o que foi a ditadura militar e o que significou a luta dos militantes, como Dilma e, pasmem, Serra, para democratizarmos o país. Sim, sim, José Serra também foi preso e fichado, da mesma forma que Dilma (resposta ao e-mail tentando criminalizar Dilma com uma ficha criminal). Sem essa luta ninguém teria a oportunidade de votar hoje.

Não acreditem em qualquer baboseira que lêem na internet, nem nas minhas. Há várias maneiras de averiguar os fatos, inclusive sobre o que fala o pastor, padre, rabino etc.

Repetindo, não sei se são essas as posições da candidata. São as minhas e eu até gostaria que fossem as dela, mas acho lamentável que fujamos do debate para que não confrontemos setores reacionários de nossa sociedade. Se ela não pode fazer isso (e não pode mesmo), cabe a nós, que acreditamos na importância desse debate, discutirmos em todos os espaços que pudermos.

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