sexta-feira, setembro 9

*-mais

Acordou ensopado. Suor também, mas, sobretudo, uma sopa de sentimentos, palavras, letras, fluidos e pessoas. Sim, uma sopa de pessoas, como se não soubesse distinguir o aipo da cebola. As pessoas estavam misturadas como aipo e cebola e é estranho como não conseguia diferenciar coisas tão distintas. E isso porque ninguém faz idéia da distância entre as pessoas ensopadas - muito maior do que entre o aipo e a cebola. Nessa mistura de sentimentos ficava difícil distinguir o dele. Há algum sentimento em mim que não seja meu? Ficou com essa pergunta na cabeça e, apesar de não tê-la respondido completamente, chegou à conclusão de que alguns sentimentos são mais nossos do que outros e o que ele chamou de sentimento dos outros na verdade não era sentimento, e sim, macaquice. Queria se livrar das macaquices e encontrar os sentimentos-mais pra poder focá-los. Nunca gostou muito da idéia de foco, mas nos últimos tempos acordava ensopado todas as noites e vinha achando que era culpa da falta de foco, apesar de saber que isso era uma grande macaquice. Acordar ensopado todas as noites deixa as pessoas piradas, misturando os conceitos, perdendo a coerência, buscando se livrar das macaquices por meio de macaquices. Valia tudo pra encontrar o sentimento-mais. Há apenas um? Não, não, mas no exato momento em que me relatava a história buscava o sentimento-supra-mais, um pelo qual pudesse canalizar todos os fluidos da manhã ensopada. Meu caro amigo, não há sentimento digno de todos os nossos fluidos, disse-lhe, mas o pobre rapaz febril não conseguia entender que o que rasgava o seu ensopado coração iria furar feito uma flecha o coração de qualquer pessoa para a qual direcionasse tal sentimento com a intensidade que lhe vinha. Se encharcar qualquer pessoa ou sentimento – não sabia ao certo a distinção, assim como do aipo e da cebola – corria o risco de matar tal pessoa ou sentimento afogado. Contrargumentou que afogar o sentimento seria uma boa, mas lembrei dos momentos em que reclamava da falta de sentimento e nesse momento percebi a relevância da indistinção – mesmo sem saber se essa palavra existe – entre o sentimento e a pessoa. Afogar o sentimento é afogar a si mesmo. Ser humano é de querer, dizia um poeta baiano, e de sentir, dizia a ele. Afogar o sentimento é um suicídio lento. Encontrar os sentimentos-mais, meu caro amigo, vai implicar em muitas macaquices, em muitas noites encharcadas, em muitos fluidos desperdiçados. Ele odiava a idéia de desperdício dos fluidos, mas lembrei ao meu impetuoso amigo que se não os desperdiçasse com os sentimentos-menos iria afogar os sentimentos-mais, consequentemente a pessoa-mais e, como já disse, isso é um suicídio lento.

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